O livro A Máquina do Caos: como as redes sociais reprogramaram nossa mente e nosso mundo, escrito por Max Fisher, repórter do New York Times, nos guia por uma investigação profunda sobre o impacto das redes sociais na política, na cultura e na saúde de bilhões de usuários. O autor conduziu entrevistas com pesquisadores responsáveis pelo desenvolvimento de algoritmos das maiores plataformas do mundo, além de usuários e vítimas de desinformação e ódio, oferecendo um panorama das big techs, detalhando seu funcionamento e os impactos ao redor do mundo.
Sua conclusão é alarmante: o princípio fundador das redes sociais consiste em se aproveitar das vulnerabilidades psicológicas, criando um contexto sombrio em que os estímulos e a polarização incentivam pessoas comuns a se transformarem em extremistas.
É nítido que os tempos modernos são marcados pela globalização. Como destaca Zygmunt Bauman, em sua obra Globalização, as consequências humanas, a ascensão da rede mundial de computadores eliminou, no campo da informação, as barreiras de distância e tempo, tornando as informações instantaneamente acessíveis em todo o planeta, tanto na teoria quanto na prática. Em termos políticos, o atual estado de coisas parece ter elevado a polarização da sociedade ao status de doença autoimune. Segundo a pesquisa Latam Pulse, realizada pela Bloomberg, o nível de conflitividade no Brasil em relação aos eixos político-partidário, religioso e classes sociais, supera os registrados na Argentina, no México e na Colômbia.
É nesse contexto que Mark Zuckerberg, fundador e líder da Meta – dona de Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp -, surpreendeu o mundo ao anunciar que a empresa abandonará o Programa de Checagem de Fatos e permitirá mais conteúdos políticos. Segundo ele, verificadores de publicações serão substituídos por um sistema conhecido como Notas da Comunidade. É dizer: em vez de continuar removendo postagens falsas, a moderação do material publicado nas redes controladas pela Meta passará a depender dos próprios usuários, que terão a função de adicionar correções e fornecer contexto às publicações contendo informações enganosas. Embora a mudança ocorra, por enquanto, apenas nos EUA, a preocupação é global.
Zuckerberg justifica que as plataformas voltarão para suas “raízes e origens”. Segundo ele, com menos regulações será mais fácil de evitar que o conteúdo de pessoas inocentes seja apagado por engano. Entretanto, ele parece ignorar o risco de que tal iniciativa transforme as redes sociais em terreno fértil para um desfecho distópico, semelhante à sociedade retratada por Aldous Huxley em O Admirável Mundo Novo. Na obra, certamente uma das mais emblemáticas do século XX, Huxley descreve um mundo em que os aspectos sociais, culturais e econômicos são rigidamente pré-determinados, enquanto as pessoas, inconscientes de sua condição, são continuamente manipuladas e psicologicamente condicionadas.
Conforme nota divulgada pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), o anúncio deve ser enxergado com preocupação, pois afronta iniciativas regulatórias legítimas e impacta diretamente o dia a dia dos usuários, expondo-os a fraudes, abusos e desinformação, enfraquecendo as regras de moderação e diminuindo a segurança das plataformas, especialmente em relação a grupos mais vulneráveis.
Em última análise, torna-se claro que a colaboração espontânea dos usuários não pode, de forma eficaz, substituir a verificação especializada, especialmente diante do ambiente informativo saturado e do progresso acelerado da inteligência artificial.
Por Stéfano Ribeiro Ferri. Especialista em Direito. Membro da comissão de Direito Civil da OAB – Campinas. Formado em Direito pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). Sócio-fundador do Stéfano Ferri Advocacia. Instrutor da 6ª Turma do Tribunal de Ética da OAB/SP.